domingo, 22 de novembro de 2015

Dissertação. Até que ponto a cantada é uma atitude aceitável?


HomemQAmava
Chegamos a outubro e reparei que ainda não havia repetido este ano uma das minhas campanhas obrigatórias, renováveis e sustentáveis. Eis o panfleto lírico:
A cantada, amigos, é como a revolução de Mao Tse-Tung, tem que ser permanente.
Querem ver uma história que representa muito isso? Vejam o francesinho do cartaz arriba -“O Homem que amava as mulheres”, do Truffaut, o cara que nasceu para filmar o amor.
Existem mulheres que a gente canta no jardim da infância para dar o primeiro beijo lá pelos quatorze, quinze, e olhe lá.
Mas é necessário que a cante sempre, não aquela cantada localizada, neoliberal e objetiva, falo do flerte, do mimo, do regador que faz florescer, como numa canção brega, todos os adjetivos desse mundo.
A cantada de resultado, aquela imediata, é uma chatice, insuportável, se eu fosse mulher reagiria com um tapa de novela mexicana, daqueles que fazem plaft!
A boa cantada é a cantada permanente.
E mais importante ainda depois que rolam as coisas, depois que acontece, aí a cantada vira devoção, oração dos pobres moços a todas elas.
Porque cantar só para uma noitada de sexo é uma pobreza dos diabos, qualquer um animal o faz.
Porque cantar, à vera, é cantar todas e não cantar nenhuma ao mesmo tempo.
Explico: é espalhar pacientemente a devoção a todas as mulheres como quem espalha sementes nos campos de lírios.
Mesmo que elas digam, com aquele riso litografado na covinha do sorriso, que você diz isso para todas.
E claro que para cada uma dizemos uma loa, fazemos uma graça, não repetimos o texto, o lirismo, o floreado.
Porque amamos mesmo as mulheres.
Cantemos indiscriminadamente, e que me perdoe o velho e bom Vinícius de Moraes, mas cantemos sobretudo as ditas feias, esse conceito cruel e abstrato de beleza. Elas merecem, até porque as feias não existem, nunca conheci nenhuma até hoje.
Não por sermos generosos, piedade, ou algo do gênero… É que a dita feia, quando bem cantada, vira a superfêmea, para lembrar a bela pornochanchada com a Vera Fischer.
A cantada permanente e indiscriminada é irresistível, quando você menos espera, acontece o que você tanto sonhava.
Sim, tem que ter o cuidado para não ser simplesmente um chato que baba diante do melhor dos espetáculos, a existência das mulheres.
Ter que cantar sempre a mesma mulher e parecer que está apenas de passagem, que o estribilho é sempre novo, nada de larararás que mais parecem refrões do Sullivan e do Massadas.
Ah, digamos que você cantou a Sônia Braga ainda naqueles tempos em que Gabriela subiu com aquele vestidinho no telhado –a cena mais quente da teledramaturgia brasileira até hoje- e e continuou cantando, sempre, sutil e sempre, e agora ela, passados tantos calendários, se comove e resolve recompensá-lo! Vai ser lindo do mesmo jeito, não acha? Na tela do nosso cocoruto vai passar o videotape de todos os desejos antigos e despejados no ralo pela morena cravo & canela.
................................................

“Gabriela rodopiava em frente ao espelho, admirando-se. Era bom ser bonita: os homens enlouqueciam, murmuravam-lhe frases com voz machucada. Gostava de ouvir, se era um moço a dizer. [...] Era ruim ser casada, gostava não...” Jorge Amado (1912-2001)


A MULHER QUE PASSA

Rio de Janeiro , 1938

Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!

Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas ( Vinícius de Moraes)

“Pesquisa revela que mulheres se sentem insultadas quando são chamadas de ‘gostosas’ por desconhecidos”. Ao lermos o título damatéria publicada na última terça-feira (19/05) pelo Jornal Extra, podemos pensar que ela não faz nada além de constatar o óbvio. Porém, em um segundo momento, nos animamos com o fato de que um tema como o assédio de rua, tão caro a nós mulheres, esteja ganhando espaço em um jornal de grande circulação. Afinal, a visibilidade é sempre benéfica, não é?

Nem sempre.  A visibilidade do dado em si – que 89% das mulheres se sentem incomodadas com esse comportamento masculino – é de certo benéfica. Entretanto, a forma como uma notícia é construída em cima desse dado – seja pela seleção vocabular, pela maneira como se escolhe encadear os fatos ou pelo enfoque dado a uns detalhes em detrimento de outros –  pode acabar comunicando significados mais favoráveis para um grupo do que para outro. No caso da notícia do Extra, as 89% saíram perdendo.

Para começar, em momento algum o texto faz uso da palavra “assédio”, automaticamente relacionada por nós a incômodo e a violência – e que não haja dúvidas: fazer uma afirmação de cunho sexual a uma mulher de forma que a insulta é assédio. Em vez disso, se faz uso da palavra “cantada” – associada por muitos a elogios e à paquera –, apagando-se completamente a violência de gênero presente no ato. Pior ainda, a matéria chama os homens que tomam parte no assédio de rua de “galanteadores”. Entre eles está Mr. Catra, funkeiro cujo repertório de frases misóginas inclui “Machista é botar sua mulher para trabalhar, querer que sua mulher seja independente”. Catra disse ao Extra que prefere “falar baixinho só para ela saber o quanto está gostosa”.

Bom, o assédio não deixa de ser assédio só porque um tom de voz mais baixo foi usado. A questão é simples: as mulheres não estão na rua para serem avaliadas. A esmagadora maioria delas deseja simplesmente se deslocar de um ponto a outro tranquilamente, sem ter seu espaço pessoal invadido por desconhecidos que insistem em tratá-la como um pedaço de carne em exposição. Como disse Verónica Lemi, ativista do coletivo argentino Acción Respeto:

se analisarmos o ato da fala, o homem, ao emitir esta opinião quando passa, sem esperar resposta e, sobretudo, não a reconhecendo [a mulher] como interlocutora, coloca-a no lugar de tema da mensagem, quer dizer, como objeto sobre o qual se fala e não como pessoa com quem se está falando. Assim como é incômodo que as pessoas falem de nós como se não estivéssemos presentes, isto é incômodo para muitas mulheres porque elas têm essa sensação de desumanização. Muitas mulheres não pensam tanto sobre isso e até curtem, e isso é perfeitamente válido, mas não podemos deixar de ouvir as mulheres que estão expressando este incômodo, já que a situação comunicacional está claramente colocando-as neste papel de objeto. [1]

Não são apenas as palavras escolhidas que incomodam. São os olhares lascivos, os gestos, a postura, a entonação da voz, a insistência. Tudo isso constrange, invade e, sim, oprime.

Quantas vezes você, mulher, já não:
a) atravessou a rua para se afastar de um grupo de homens que assobiavam para você?
b) trocou de roupa pensando nos comentários que ouviria ao sair sozinha à noite?
c) mudou de vagão no metrô porque um sujeito a encarava de forma lasciva, fazendo caras e bocas a viagem inteira?

 
Quantas vezes o comportamento desses homens a fez sentir medo? A matéria não toca nesses pontos ao tentar explicar por que as mulheres rejeitam tanto o “grito de gostosa”. Em vez disso, se faz uso de uma explicação vinda da psicologia:

Segundo Priscila Gasparini, especializada em Psicanálise, a mulher é mais instrumental. Ou seja, ela prefere uma abordagem mais sensorial do que o homem, que, segundo ela, escolhe sua companheira mais pelo lado visual:
– O corpo bonito é que chama a atenção do homem, enquanto a mulher não gosta de ser abordada pelo cunho sexual. Elas gostam de papo. [2]

Antes de mais nada: até que ponto será que essas preferências apresentadas como características inatas de cada gênero não são na verdade meras construções sociais? A socialização da mulher sempre foi feita em torno da negação da sua sexualidade. Passamos nossas vidas inteiras ouvindo que “Mulher tem que se dar o respeito”, que sexo casual não é coisa de “mulher direita” e que devemos resistir às investidas dos homens – mulher não toma iniciativa! –, porque eles vão perder o interesse assim que “cedermos”. Não será essa repressão sistemática da nossa sexualidade a responsável por fazer muitas mulheres se dizerem menos interessadas em “corpos bonitos”? Como podemos afirmar então que a mulher é – verbo ser: possuir característica inerente – mais ou menos instrumental do que um homem se ela na verdade foi ensinada a agir dessa forma?

Apresentar essas preferências como parte da natureza dos homens ou das mulheres é passar por cima de todo um processo de socialização que reprime a sexualidade delas e exalta a deles. E apresentar unicamente essas preferências como justificativa para a rejeição das mulheres ao assédio é negar mais uma vez que o que está sendo chamado de “cantada” é uma violência de gênero. Não se trata de preferência de abordagem na hora da paquera, porque para 89% das mulheres isso simplesmente não é paquera. É assédio.


O tempo todo a matéria parece enfocar a ineficácia da “cantada” em vez de problematizar seu caráter agressivo e misógino. Pouco importa como a mulher se sente diante do assédio. O que importa é se, com ele, o homem vai conseguir o que quer. A matéria parece dizer aos homens: “Amigos, não passem mais cantadas, porque não vão conseguir nada com isso”, em vez de “Homens, parem de assediar as mulheres que veem na rua, porque seu comportamento as faz sentir insultadas e acuadas”. Novamente, a mulher é colocada em um local de passividade, de objeto de desejo que pode ser ou não conquistado dessa ou daquela maneira.

Ao dizer que a jovem Débora Adorno, de 22 anos, que inventou uma careta chamada de Dentinho para fugir do assédio, “percebeu que ser bonita era um problema”, a matéria reproduz ainda outro comportamento típico da nossa sociedade misógina: a transferência do foco do comportamento do agressor para o comportamento – ou, nesse caso, a aparência – da vítima. Em nenhum momento a cantada, tida no máximo como grosseria, foi caracterizada como um problema. Não, o problema está em “ser bonita”. Tanto que, assim que Débora arranjou uma forma de parecer menos atraente para os homens, o assédio cessou. Ou seja, o que se diz aqui, ainda que de maneira sutil, é que o problema não está no homem, mas sim na mulher.
 
Se ainda resta dúvida de que a matéria publicada no Extra foi um total desserviço a 89% das brasileiras, as fotos escolhidas para ilustrar a notícia podem saná-la rapidamente. Aparentemente feitas em um ensaio especialmente para essa matéria, as imagens mostram Alessandra Mattos, rainha da bateria da Inocentes de Belford Roxo, fazendo poses sensuais para um grupo de pedreiros que a observam com expressões de luxúria. Alessandra é uma das mulheres que disse ao jornal que sente sua autoestima se elevar ao ser chamada de gostosa na rua. Bom, se ela se sente bem, sem problemas. Mas por que escolher – ou melhor, produzir – imagens que representam a realidade de uma parcela tão mínima de mulheres em vez de se preocupar com as 89%? Simples: porque o corpo de Alessandra está sendo usado de chamariz em uma matéria que, como vimos, é feita sob uma ótica masculina e voltada puramente aos interesses dos homens. 

 “Gabriela rodopiava em frente ao espelho, admirando-se. Era bom ser bonita: os homens enlouqueciam, murmuravam-lhe frases com voz machucada. Gostava de ouvir, se era um moço a dizer. [...] Era ruim ser casada, gostava não...” Jorge Amado (1912-2001)

Todos sabemos que a mídia em geral não costuma dar muitas bolas dentro quando o assunto é direitos da mulher. Entretanto, o que o Jornal Extra conseguiu fazer com um dado tão claro é simplesmente revoltante. Enquanto países como a Argentina trabalham para aprovar leis que classificam o assédio de rua como violência de gênero e preveem campanhas de conscientização sobre o problema, a esfera pública brasileira continua a negar sistematicamente que sequer existe um problema. Ou melhor: a dizer que o problema somos nós.

[1]  CARBAJAL, Mariana. Argentina quer punir com multa e prisão assédio de rua contra  mulheres. Disponível em: <http://bit.ly/1DhLlBO> Acesso em: 20 de maio de 2014.

[2] ALFANO, Bruno. Pesquisa revela que mulheres se sentem insultadas quando são chamadas de ‘gostosas’ por desconhecidos. Extra. Disponível em: <http://naofo.de/4j2j> Acesso em: 19 de maio de 2014.http://www.cartacapital.com.br/blogs/feminismo-pra-que/cantada-de-rua-apenas-parem-7511.html

Frequentemente, as mulheres, em maior número, são alvo das famosas cantadas ou “elogios”. Para muitas mulheres, essas estratégias, usadas tradicionalmente como uma forma de sedução, podem ser mais que um simples elogio, sendo consideradas até mesmo comoassédio sexual. Mas até que ponto uma cantada pode ser considerada um assédio?
Homens e mulheres discordam em vários pontos quando o assunto é a sedução e o elogio a pessoas desconhecidas. Alguns homens chegam a afirmar que muitas mulheres gostam de levar cantadas e que se sentem mais desejadas e com a autoestima elevada. Apesar de ser uma colocação um tanto machista, algumas mulheres realmente se sentem assim, no entanto, a grande maioria tem uma opinião bastante diferente.
A grande maioria das mulheres afirma que cantadas, principalmente aquelas de rua, fazem com que elas se sintam como verdadeiros objetos. Algumas, inclusive, temem que a abordagem verbal torne-se física, uma vez que há frequentemente nos noticiários casos de estupro. Isso ocorre porque comumente as cantadas de rua possuem conteúdo impróprio, que muitas vezes deixam as mulheresenvergonhadas, além de, como dito anteriormente, fazer com que se sintamameaçadas.
No caso de cantadas em baladas, a situação pode ser ainda mais constrangedora, uma vez que a maioria das mulheres não sabe como lidar com esse tipo de situação. Há muitos relatos de pessoas que foram xingadas e até mesmo agredidas por não responderem a uma determinada abordagem da forma como era esperado. Isso acontece principalmente em virtude do uso de álcool, que é frequente em festas e bares. Claro que nem todos os homens são assim, mas diante de tantos casos de agressão, não é de se surpreender que muitas mulheres sintam medo.
Vale destacar também que na balada é fácil perceber quando o interesse é mútuo. Sendo assim, um elogio, nesses casos, sempre é bem-vindo, uma vez que há a permissão para o flerte. Quando a cantada ocorre sem a permissão, provavelmente não obterá êxito.
Claro que não podemos afirmar que toda cantada tem por objetivo assustar a mulher, deixá-la constrangida ou até mesmo ameaçá-la. Muitas vezes, a cantada pode ser uma simples piada, sem nenhuma maldade. Mas devemos fazer alguns questionamentos: Será que as mulheres gostam desse tipo de abordagem? Será que não existe um modo mais agradável de fazer um elogio? Como as cantadas são consideradas como insultos e até mesmo uma forma de ameaça por grande parte das mulheres, por que os homens insistem nessa artimanha?
O tema é bastante complexo e divide bastante a opinião de homens e mulheres.Mas, para você, até que ponto a cantada é uma atitude aceitável?
Você sabia que importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor é uma contravenção penal? A importunação ofensiva ao pudor é uma contravenção que tem como pena o pagamento de multa.


quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Ótima proposta da Unitau: a liberdade de informação. Não deixem de fazer.

Na mira da vitória, pessoal

Façam e mandem p email, não deixem de escrever. Está chegando a hora. Por isso, temos de produzir textos excelentes. Então, aproveitem sua professora que está disposta a corrigir mais textos, além dos que trazem nas aulas.
Venham com dois textos escritos, ou adiantem o serviço, digitando ou fotografando a produção extra.  Mandem pelo fcb. Eu imprimo e corrijo.


http://www.unitauvest.com.br/blog/imagens/2012/05/Microsoft-Word-_PROVA-_MEDICINA_TIPO_1.pdf

Proposta da Unitau 2015.

http://www.unitau.br/files/arquivos/category_1/2fasefinal_1417979815.pdf

Porte de drogas para uso pessoal deve ser descriminalizado no Brasil?

Dissertação ou carta dissertativa. 
TEXTO1
ISSO NÃO É LIBERDADE
Morando em Santa Rosa (RS), conheci Diego quando fez um ano. Era uma criança muito risonha e fascinante, que cresceu dentro de uma família amorosa. Superdotado e dono de enorme empatia, foi o melhor aluno do seu colégio e muito cedo começou a cursar medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Não usava drogas, nem lícitas nem ilícitas. Filho único, dava sentido especial à vida da família.
Diego tinha 21 anos quando uma caminhonete desgovernada o esmagou contra uma parede. Foi o velório mais triste que já assisti. O motorista que o matou não estava alcoolizado, mas no exame toxicológico, detectaram níveis altíssimos de THC da maconha. Ele respondeu o processo em liberdade, e em liberdade está até hoje, 16 anos depois.
Sempre que vejo a argumentação de que o uso de drogas prejudica só quem usa, eu me lembro do Diego. Neste caso, a liberdade do outro de usar a droga acabou com a liberdade de Diego de desfrutar de uma vida plena, cheia de realizações.
Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, de 2009, com motoristas responsáveis por acidentes com vítimas fatais, revelou que a droga mais presente nos acidentes graves era a maconha. O álcool era a segunda, seguido bem de perto pela cocaína. Nas estradas é a metanfetamina a maior causa de acidentes com caminhões. Quantos Diegos inocentes não morrem assim todos os dias?
A "liberdade" de usar drogas lícitas e ilícitas está atrás da maioria dos latrocínios, dos homicídios por causas banais, dos acidentes com veículos e dos suicídios. Além de ser a maior causa da violência doméstica no Brasil e de promover ressurgimento da Aids nos bolsões de consumo. Isso sem falar na violência do tráfico. A epidemia do crack, a partir de 2006, agravou esse quadro e levou o Brasil a bater todos os recordes mundiais de violência.
O uso continuado das drogas leva à dependência química, que é uma alteração definitiva das conexões neuronais, conformando doença crônica, incurável.
Nos adolescentes, esse efeito ocorre mais rápido e forte pela imaturidade dos circuitos cerebrais. Eles são suas maiores vítimas, pela ingenuidade e impulsividade que lhes é característica. E 70% daqueles jovens que usam drogas têm transtornos mentais prévios, o que os torna mais vulneráveis à dependência. O usuário de drogas começa a usá-las por um motivo e depois não consegue mais parar por outro, quando vira dependente.
Não existe a liberdade individual de usar a droga quando se devasta toda a família, quando se submete outra pessoa à violência física para poder comprar mais drogas, quando se vende o corpo em troca de uma dose ou quando se mata um inocente em um acidente de trânsito. Pela saúde da população, temos que restringir mais as drogas lícitas, e não permitir liberar as ilícitas.
Está em julgamento no STF uma ação que se for aceita, descriminalizará o uso de todas as drogas consideradas ilícitas. Isso significará, na prática, poder portá-las sem qualquer receio de punição.
Certamente aumentará a quantidade de pessoas portando, e seu compartilhamento nas escolas, locais públicos e eventos. Assim aumentará muito o consumo de drogas e o número de viciados. Quem abastecerá esse mercado? Os traficantes que aumentarão seus lucros, poder e séquito de violência.
Temos que proteger nossos jovens diminuindo a oferta de drogas na rua, e não o contrário. Temos que proteger os mais vulneráveis da dependência, suas famílias e a sociedade da devastação que as drogas causam. Temos que proteger os milhares de Diegos de uma morte prematura e sem sentido.
OSMAR TERRA, 65, médico, é deputado federal pelo PMDB-RS e presidente da Frente Parlamentar da Saúde e Defesa do SUS

TEXTO2
LEI DE DROGAS VIOLA A CONSTITUIÇÃO
O Brasil é um dos únicos países da América do Sul que ainda criminaliza o consumo de drogas. Se o STF seguir o recente voto dado pelo ministro Gilmar Mendes poderemos deixar de ser um dos países mais atrasado da região em matéria de legislação de drogas e aceitar que usuário não é caso de polícia.
Não seria o Congresso o espaço mais apropriado para este debate? Não. O que está em jogo é o respeito à Constituição. Tribunais constitucionais de vários países já decidiram que o Estado não pode criminalizar alguém pela decisão de ingerir uma substância. Cabe proibir ou regular, mas não utilizar o direito penal para lidar com o caso.
Além disso, o direito à saúde, amplamente garantido por lei, é desrespeitado ao se tratar o uso como crime. A dificuldade de se oferecer tratamento adequado nesse contexto é enorme. Foi graças à descriminalização do consumo que Portugal conseguiu praticamente zerar o número de overdoses.
Nossa Constituição também é desrespeitada pela forma como a lei é aplicada. A grande maioria dos presos com drogas portava pequenas quantidades, era réu primário e pobre. Muitos são, na verdade, usuários. Mas hoje o pensamento é de que ricos com pequenas quantidades são usuários e que pobres são traficantes, ainda mais se forem negros. Pessoas estão sendo presas por sua condição social, o que viola a Constituição. O STF não pode admitir tamanha injustiça.
Para que o tribunal corrija essa injustiça, não basta que decida pela descriminalização do consumo. É necessário que sejam estabelecidos critérios de distinção entre usuário e traficante. O Supremo pode e deve exigir que sejam estabelecidos critérios objetivos para acabar com a discriminação absurda com a qual convivemos hoje.
Em dezenas de países o critério objetivo mais usado é o da quantidade de drogas consumidas em um espaço de tempo, em geral de dez dias a um mês. A quantidade varia para cada tipo de droga, buscando se aproximar ao máximo da realidade do padrão médio de consumo de uma sociedade. A maioria dos países que adotaram esse critério, como Portugal, Espanha, Áustria, alguns estados dos EUA e Uruguai, o fez levando em conta dados sobre o consumo real.
Adotar quantidades muito baixas pode produzir efeitos perversos. O México estabeleceu quantidades muito pequenas e o efeito foi o aumento da quantidade de usuários presos. Para garantir o cumprimento da Constituição é necessário que sejam quantidades realistas.
Além disso, o critério quantidades não deve ser absoluto. Deve ser confrontado com outras questões como porte de armas ou prova de venda. Nenhum critério é perfeito, mas não se pode mais conviver com um sistema punitivo que encarcera negros e pobres, desconsiderando o princípio da presunção de inocência.
Importantes psiquiatras e neurocientistas brasileiros assinaram nota técnica com três cenários de quantidades de referência de consumo pessoal no Brasil. A nota foi escrita com base em pesquisas científicas, prática clínica e consultas a usuários, cultivadores, juristas, acadêmicos e lideranças sociais.
É fundamental que o Supremo Tribunal Federal leve em conta a opinião desses especialistas para tomar uma decisão que garanta o respeito à Constituição e produza efeitos positivos para a população.
A Constituição é descumprida cotidianamente na aplicação da lei de drogas no Brasil. Tratamento discriminatório, falta de acesso à saúde e violação à presunção de inocência são a regra. Cabe ao Supremo cumprir o seu papel de guardião da Constituição e garantir sua prevalência na execução da política de drogas em nosso país.
ILONA SZABÓ é diretora do Instituto Igarapé e coordenadora da Comissão Global de Políticas sobre Drogas da ONU
PEDRO ABRAMOVAY, 35, é diretor para a América Latina da Open Society Foundations, foi Secretário Nacional de Justiça (governo Dilma)m
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/08/1675175-porte-de-drogas-deve-ser-descriminalizado-nao.shtl
*